quinta-feira, 23 de agosto de 2012

E lá vamos nós. De duas rodas.

O que eu temia aconteceu. Precisei comprar uma moto. E faço questão de justificar o uso do termo "precisar".
Há alguns meses eu vendi meu carro (por dezenas de motivos que não vêm ao caso agora) e voltei a andar de ônibus. Sem problema acordar uma hora antes do que poderia acordar se tivesse um carro. Sem problema ter que andar 7 quadras até o ponto de ônibus. Sem problema MESMO, não é ironia. Sei que tem gente que leva 3 horas para atravessar a cidade e chegar ao trabalho. Tem gente que percorre mais que 7 quadras numa cadeira de rodas. Enfim, nada disso chegou perto de me incomodar.
O problema começou quando eu fui analisar as linhas que eu teria que pegar para ir de casa à faculdade e da faculdade ao trabalho, seus horários e itinerários. Eu moro a pouco mais de 4 quilômetros do meu trabalho e tenho que fazer um trajeto de quase 12, pegando três ônibus.
Mas o pior é chegar na faculdade. A bendita Uniderp Agrárias.
Eu demoro aproximadamente 90 minutos para fazer o trajeto, sendo que 30 deles eu passo sentada no terminal esperando. Passa UM ônibus a cada hora. Pensa na lotação. E nem pense em perder o bendito.
Aí saio da faculdade e pego a mesma linha às 11h50. Com um pouco de papo e mais um pouco de drama consigo fazer o motorista me deixar no meio do caminho entre 2 pontos (assim evito duas quadras de subida íngreme). Mesmo assim preciso caminhar cerca de 6 quarteirões (debaixo do sol delícia do meio-dia) para chegar até a casa do namorado, onde minha sogra querida (de verdade) cede almoço para esta pobre criatura que vos escreve.
Chego botando os bofes pra fora, naturalmente, suando feito uma condenada com a mochila nas costas e ciente de que ainda tenho que enfrentar o turno da tarde sem banho e sem trocar de roupa. Detalhe: não posso estar com "qualquer" roupa porque trabalho numa associação de Promotores de Justiça.
Depois de almoçar e recobrar as forças, alguém me deixa no trabalho. Namorado, sogra, cunhada, alguém sempre me dá essa forcinha. A casa deles é perto da associação, cerca de 2 quilômetros. MAS se, por algum motivo, eu precisar vir direto da faculdade para o trabalho, a única alternativa é ir até o terminal (mais uns 8 km) para pegar outra linha que chega até aqui. E aí se foi minha horinha de almoço passeando por aí.
Enfim, não dava. Eu lido bem com o fato de ter que caminhar. Mas não lido bem com sol, gente. Não dá. Já disse alguém por aí que o melhor do sol é a sombra. Sol é uma desgraça. Sol escaldante, então, beira o suicídio.
Daí que comprei uma motinha. Uma Neo, da Yamaha. Para passar menos tempo com o sol direto na cachola e depender menos da boa vontade e da carona das outras pessoas. Mesmo depois de ter escrito dezenas de matérias sobre pessoas que morreram ou ficaram aleijadas depois de um tombo de moto. Mesmo sabendo que o trânsito de Campo Grande tá virado num pandemônio, digno de pesquisa social e antropológica sobre o comportamento de humanos-mulas à direção.
Tenho que agradecer essa minha falta de alternativa ao poder público municipal, que não quer/tenta/consegue oferecer um transporte público eficiente para a população. Sério mesmo, JAMAIS teria comprado uma moto a) se tivesse como manter um carro e b) se o transporte coletivo fosse minimamente eficiente e me deixasse chegar nos lugares na hora certa sem suar em bicas.
Que o meu anjinho da guarda sente na minha garupa.


Olha a lambreta aí.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Esperança


Há algumas semanas, ao entrar no ônibus e me acomodar em pé escorada em uma das barras verticais, reparei num senhor, sentado no banco a minha frente. Aparentava 50 e poucos anos, era mais baixo do que a média, meio gordinho, usava calça social marrom-claro surrada e camisa com os três primeiros botões abertos. No colo, uma pasta transparente de elástico. Na pasta, um currículo.
Não sei de onde vinha, muito menos para onde ia, mas sei o que queria. Queria se livrar do desespero de não trabalhar. Talvez da vergonha de não pagar a conta de luz. Queria provar para si mesmo e para o mundo que esse negócio de idade pode ser deixado de lado. Que sempre foi útil, e ainda é.
Pensei nos lugares por onde ele pode ter passado pedindo emprego. No neto que deve ter ajudado digitando e imprimindo o currículo. Nos "nãos" que ele pode ter ouvido. Na força de vontade que ele deve vestir junto com a camisa amarelo-desbotada antes de sair de casa. Pensei no meu pai. No desespero que eu sentiria se ele estivesse nessa situação.
Aí eu rezei. Perdi uma lágrima e rezei. Para que a próxima tentativa fosse bem-sucedida. Para que a notícia para a esposa, esperando em casa depois da faxina, fosse a melhor. Para que qualquer desespero cesse. E qualquer esperança permaneça renovada.