Gostaria de dividir uma experiência com vocês. Aliás, experiência não. Dividir um aprendizado, um “conceito” que ouvi hoje, da boca de um juiz da Vara da Infância e Juventude, sobre a recuperação de jovens que cometeram algum crime.
Fui fazer uma matéria em uma Unidade Educacional de Internação (Unei). Para quem não sabe, trata-se de uma “cadeia” para menores infratores, ou “adolescentes em desconformidade com a lei”, como prefere caracterizar o juiz. Para não ser chata e escrever demais, vou contar os detalhes que me chamaram atenção, em tópicos. Ler em tópicos é mais legal porque a gente vai pulando o que não interessa.
- Por ser uma unidade especial, onde só permanecem os adolescentes de bom comportamento, o cenário não lembrava nem de longe uma cadeia, a não ser pelas grades nas portas.
- Ao entrar, você fica de frente para um saguão, protegido pelas tais grades. O juiz avisou para os jovens que íamos entrar no saguão, eles dirigiram-se para os alojamentos (celas) e fecharam as portas que os separam do saguão. Assim, sem precisar orientá-los ou conduzi-los.
- Enquanto conversávamos no saguão, todos os 27 rapazes observavam agarrados às grades. Foi a primeira vez que tive uma sensação estranha, de estar sendo cuidadosamente observada em um ambiente que, definitivamente, não era o meu.
- O juiz quis mostrar um dos alojamentos. Avisou os jovens, eles se dirigiram para o fundo do quarto, e nós entramos. Não ouvi em momento nenhum a voz de algum dos rapazes. E a sensação de ser observada aumentou significativamente.
- Saímos e fomos para a diretoria. Por mais de uma hora o Diretor da Unei contou histórias e experiências vividas em 8 anos de socioeducação. Acompanhados do juiz da Vara da Infância e Juventude, conversamos sobre os motivos que fazem aquela Unidade ser diferente de tantas outras; diferente do que foi a Febem; diferente do que é a Unei Dom Bosco aqui em Campo Grande.
- Conversei com Pedro Henrique, um rapaz de 18 anos que matou um homem com um tiro há mais ou menos 7 meses. Ele está prestes a sair da Unei, diz que quer estudar, que já tem um emprego garantido e que nem pensa em fazer “cagada” de novo.
- O juiz contou que Pedro Henrique é “formador de opinião positiva” dentro da Unidade. Sempre que um outro jovem quer “desandar”, ele o faz desistir da ideia.
- Era aqui que eu queria chegar. Conversando sobre a reeducação e a re-socialização desses jovens, o juiz utilizou uma metáfora interessante. Ele disse que, quando afiamos uma faca, chega um momento em que a lâmina está perfeita, fina e afiada. Se continuarmos a afiar, a lâmina vai entortar. É assim com os jovens que aceitam a reeducação: eles atingem um “pico”, como no caso de Pedro Henrique. Se eles são mantidos por mais tempo atrás das grades, eles podem “entortar”.
Quanta coisa na vida da gente é assim? Quem dera saber exatamente a hora de parar de afiar; a hora de soltar o que está preso, para não entortar.